A ideia deste artigo é trazer informação científica atualizada e de forma descomplicada. Você já utilizou – ou gostaria de utilizar – surfactantes em seus projetos de remediação? Caso a resposta seja sim, ou caso você tenha interesse no assunto, siga na leitura e me conte sobre a sua experiência nos comentários.
Embora o uso de surfactantes tenha crescido nos últimos anos, ainda há um vasto campo a ser explorado quando se avalia um recorte dos projetos de remediação no Brasil: existem pouquíssimos produtos autorizados pelo IBAMA e os ensaios de tratabilidade feitos antes de planejar o uso em campo ainda carecem de robustez.
Para dar corpo a pontos importantes sobre o uso destes produtos, abordaremos de forma bastante resumida um paper publicado este ano (ainda in press), conduzido por Pushpesh Sharma e colaboradores: Surfactant flooding makes a comeback: Results of a full-scale, field implementation to recover mobilized NAPL – Journal of Contaminant Hydrology.
(DOI: https://doi.org/10.1016/j.jconhyd.2020.103602).
O primeiro ponto – bastante relevante – é a estratégia de uso dos surfactantes. Vocês escolhem esta estratégia antes de ir a campo? Existem duas abordagens principais, que dependem do objetivo da remediação:
a) Mobilização: esta abordagem utiliza o surfactante apenas para reduzir a tensão interfacial e mobilizá-lo para a fase aquosa como produto livre;
b) Solubilização: esta abordagem utiliza o surfactante para que o produto seja solubilizado na fase aquosa e recuperado na condição de fase dissolvida.
O paper foca na abordagem da mobilização e traz informações sobre a aplicação desta estratégia em campo para ampliar a recuperação de querosene de aviação (Jet-A) em subsuperfície, especificamente de um aquífero livre arenoso localizado na Dinamarca.
O interessante de perceber neste paper é que a situação é a mesma que nos deparamos com frequência no Brasil – já haviam sido recuperados milhares de litros de produto e a remoção hidráulica não demonstrava mais eficiência. Todavia, um filme de produto ainda aparecia nos monitoramentos, o que levou os pesquisadores a identificarem e delimitarem a ocorrência de contaminação abaixo do nível d ´água com auxílio da técnica de LIF (laser induced fluorescence).
Como a área – antes do derramamento – era utilizada para fins agrícolas, a recuperação de massa do produto combustível ainda se fazia necessária. É muito importante destacar que ensaios de bancada, como os de comportamento de fase e fluxo – foram feitos antes da etapa de campo. Existem perguntas crucias a serem respondidas antes de aplicar um surfactante:
– Este surfactante que escolhi é estável quando em contato com o produto em questão?
– Qual será a meta de remoção a ser perseguida em campo? (sem ter esta pergunta para responder, não há como saber se o produto está ou não sendo eficiente)
O ensaio detalhado no paper dividiu a aplicação do produto surfactante na área de interesse em 8 etapas. Observe na figura – os pontos representam os poços de injeção e monitoramento e a linha em vermelho representa a área de interesse, onde está a contaminação. A injeção era feita na zona rosa, enquanto nas zonas amarela e laranja era feito o controle hidráulico da pluma. A zona verde representa o local onde estavam os poços de extração. A cada etapa, as linhas coloridas eram movidas para baixo, de modo a aumentar a cobertura da pluma
Todo o processo, incluindo as medições pertinentes, foi feito em apenas 6 meses e os resultados foram excelentes: análises de balanço de massa antes e depois da aplicação do produto surfactante indicaram que aproximadamente 90% da massa de contaminantes foi removida da zona fonte. A quantidade de produto que ficou no site foi cerca de 4m3 (contra 44 m3 iniciais). Além disso, análises de fluxos de massa conduzidas em transectos na área indicaram que houve uma redução na concentração de hidrocarbonetos (BTEX) de 98%. Em relação aos hidrocarbonetos totais de petróleo (TPH), essa redução foi 64% – para um gradiente que varia – e 88% para um gradiente constante.
Embora este tema tenha detalhes suficientes para muitos artigos, deixo aqui o convite a reflexão: sabemos informações suficientes sobre a localização e quantificação da contaminação antes de ir a campo? Sabemos o que esperar do produto surfactante que está sendo aplicado? Fizemos um ensaio de bancada robusto antes de planejar o desenho de aplicação?
Se você chegou até aqui, obrigada pela leitura e até o próximo artigo.