O texto a seguir foi escrito em colaboração com Jonas Garcia Rincón
A recuperação de produto combustível em fase livre (LNAPL) por extração hidráulica pode ser um assunto controverso: é comum que órgãos reguladores exijam a remoção do produto em qualquer circunstância, desde a ocorrência de película em poços de monitoramento a metros de coluna de contaminante.
Será mesmo que somente a presença de produto é suficiente para determinar sua remoção por extração hidráulica, ou estaríamos instalando muitos MPEs Brasil afora sem a real necessidade ou condição de conduzir um processo com eficiência?
Neste cenário, é importante encontrar métricas que balizem a tomada de decisão. A transmissividade surge como uma métrica promissora para determinar quando um processo por remoção hidráulica é eficiente. Para o detalhamento das informações a seguir, escritas em parceria com Jonas Garcia Rincon, foram utilizadas as seguintes fontes:
- Beckett, G. D., & Huntley, D. (2015). LNAPL Transmissivity: A Twisted Parameter. Groundwater Monitoring & Remediation, 35(3), 20–24. doi:10.1111/gwmr.12116
- Gatsios, E., García-Rincón, J., Rayner, J. L., McLaughlan, R. G., & Davis, G. B. (2018). LNAPL transmissivity as a remediation metric in complex sites under water table fluctuations. Journal of environmental management, 215, 40-48. doi:10.1016/j.jenvman.2018.03.026
- Interstate Technology & Regulatory Council (ITRC), 2018. Light Non Aqueous Phase Liquid (LNAPL) Site Management: LCSM Evolution, Decision Process, and Remedial Technologies. LNAPL-3. Appendix C – Transmissivity (Tn) Appendix
O que é transmissividade (Tn)?
É a capacidade do solo em transmitir um determinado volume de óleo em determinadas circunstâncias de teste. Este parâmetro está relacionado a aspectos complexos do LNAPL em subsuperfície, incluindo a permeabilidade relativa do óleo (saturação e capilaridade), permeabilidade do material poroso e propriedades do fluido. Além disso, o parâmetro é transiente: diminui na cauda da pluma e aumenta na porção posterior, quando o LNAPL é móvel.
A complexidade do parâmetro
Este parâmetro não é constante: muda com as circunstâncias do teste, tempo e condições piezométricas. É possível que a transmissividade medida em determinado dia por um método específico seja diferente em várias ordens de grandeza que aquela medida em outro dia por outro teste. A figura a seguir (Gatsios, 2018) nos dá uma ideia de todos os componentes que influenciam este parâmetro.
A variação do parâmetro com o tempo e espaço
Quando o LNAPL é inicialmente liberado e penetra os poros do solo, a transmissividade pode alcançar altos valores (4,5 m2/dia), como se observa na figura abaixo, que representa o comportamento de um vazamento de gasolina ao longo do tempo e espaço (Huntley, 2015).
Após o vazamento, enquanto há gradiente, o LNAPL migra para áreas previamente não impactadas. Neste momento, a transmissividade da cauda da pluma e da zona fonte caem, enquanto os valores relativos à porção da frente da pluma aumentam. A heterogeneidade de subsuperfície tem um papel dominante na distribuição dos valores de transmissividade do LNAPL.
Além disso, outros fatores – como variação sazonal do nível d´água – podem influenciar enormemente o valor da transmissividade. De um modo geral, valores baixos de transmissividade são obtidos em condições de cheia em função do trapeamento do produto em subsuperfície. De modo similar, a NSZD (natural source zone depletion) pode ter um forte impacto na evolução de longo prazo e redução da transmissividade do LNAPL.
Isso significa que estes diferentes valores de Tn no tempo e espaço representam diferentes condições de remoção do produto. Assim, de acordo com Huntley (2015), a principal pergunta a se fazer não é o quanto podemos recuperar, mas se a pluma está móvel ou estável e se representa risco potencial para a saúde/ecossistema.
Quando usar?
Como já dito anteriormente, antes de escolher a remoção hidráulica como método de remediação para uma determinada área, é importante que os tomadores de decisão se perguntem qual será o real benefício obtido a partir da escolha deste método. A quantidade a ser removida, dentro das limitações do método, vai ter condições reais de mitigar o risco à saúde humana? O particionamento e a biodegradação tem taxas maiores que a taxa de remoção? Utilizar esta metodologia será vantajoso e efetivo dentro do gerenciamento da área contaminada?
Caso estas perguntas ainda indiquem que a remoção hidráulica é importante na área em questão, a transmissividade é um parâmetro importante para dar subsídio à condução desta técnica.
Em que cenários posso aplicar a extração hidráulica e consequentemente usar a Tn como parâmetro de performance?
- Quando há liberação recente e móvel de LNAPL, particularmente se há ameaça de um receptor potencial;
- Quando o objetivo é reduzir propositalmente a massa de LNAPL disponível, para aumentar as perdas por processos naturais de particionamento ou biodegradação;
- Quando o objetivo é contenção da pluma;
- Quando as taxas de recuperação são muito maiores que as perdas naturais e uma fração significativa da pluma total pode ser recuperada;
- Quando uma tecnologia de clean-up (como surfactante) exige controle hidráulico como parte da operação.
Como medir?
Os métodos de campo mais comuns para estimar a transmissividade do LNAPL são o “baildown test”, “manual skimming test” e avaliação de recuperação de LNAPL por bombeamento.
O LNAPL baildown test é análogo ao slug test e ao baildown test de água subterrânea. Não são testes caros e não exigem muitos recursos. O LNAPL que está presente no poço é removido o mais rápido possível com bailer ou uma bomba, com mínima remoção de água. Depois disso, a recuperação dos fluidos no poço é monitorada em uma frequencia apropriada com equipamentos automáticos ou interface. O API LNAPL Transmissivity Workbook (API, 2016) é uma excelente ferramenta para analisar os dados. A definição correta de um valor limiar de tempo (de acordo com os gráficos de descarga x rebaixamento e balanço de massa) e qualquer ajuste de rebaixamento é essencial para o sucesso da análise.
Alternativamente, a aplicação do skimming manual é particularmente recomendada quando a espessura do LNAPL medida no poço é menor que 15 cm (ASTM, 2013). Similar ao caso do baildown test, o LNAPL que está no poço é removido e a recuperação dos fluidos é monitorada. Quando se alcança 25% de recuperação, o poço é purgado novamente. É importante medir cuidadosamente o volume de fluidos removido do poço em cada ciclo para calcular a taxa de descarga correspondente. O processo total é repetido até a taxa de descarga estabilizar por 3 ou 4 ciclos consecutivos. A transmissividade do LNAPL pode ser derivada deste valor (ASTM, 2013).
A avaliação dos sistemas de recuperação de LNAPL (bombeamentos ativos) é a forma mais significativa e de longo prazo para se obter as taxas de transmissividade do LNAPL. Além disso, o raio de influência do método é maior, quando se compara ao baildown test ou skimming. Em função disso, podem haver discrepâncias entre os métodos e pode ser benéfico conduzir testes pilotos de bombeamento em alguns casos, embora seja mais custoso e exija mais recursos.
Para medir por quaisquer dos métodos citados, é importante seguir as seguintes orientações:
- Determine a distribuição vertical do LNAPL e a variação do nível d´água para identificar o melhor momento e melhor teste a ser aplicado;
- Determine se a pluma está estável ou móvel para que os valores de transmissividade sejam contextualizados frente ao objetivo da remediação;
- Certifique-se que as condições de contorno do teste escolhido existam em campo (por exemplo, veja se o LNAPL está em condições não confinadas, confinadas ou “perched” e avalie se as condições de equilíbrio vertical podem ser consideradas);
- Desenvolva novamente poços antigos para garantir boa comunicação hidráulica entre o LNAPL da formação e o poço. Analise dados conhecidos e compare os níveis dos fluidos no poço com as maiores e menores elevações já registradas);
- Meça a Tn em mais de um local e mais de uma vez.
Há um valor limite estabelecido?
De acordo com o ITRC, valores de transmissividade que variam entre 0,1 a 0,8 ft2/dia (0,009 a 0,07 m2/dia) podem ser utilizados como marcos para decisão relativa à operação de sistemas de remediação. Isto pode ocorrer tanto para dar início ao processo de remediação (valores acima de 0,1 a 0,8 ft2/dia), quanto para determinar seu encerramento (valores abaixo desta faixa). Como previamente descrito, avaliar criticamente a Tn deve sempre considerar a variabilidade do parâmetro em tempo e espaço.
Estudo de caso (cortesia de Jonas Garcia Rincón – Gatsios et al, 2018)
O estudo de caso brevemente apresentado a seguir se refere a um posto de combustível localizado na Australia. Um vazamento de gasolina ocorreu em 2013; nos anos seguintes, uma caracterização detalhada da área foi realizada, especialmente em 2015-2016, quando muitos poços de monitoramento foram instalados e múltiplos testes hidráulicos (incluindo baildown tests) foram conduzidos.
De um modo geral, o LNAPL permaneceu não confinado durante o período de seca e confinado durante o período de cheia, em função da elevação da superfície potenciométrica e existência de um aquitarde sobre o aquífero. O vazamento era relativamente recente quando a caracterização foi conduzida e altos valores de transmissividade foram medidos – 2,1 m2/dia. No entanto, em função do fenômeno de trapeamento e redistribuição vertical do produto, a mobilidade do LNAPL durante as cheias reduzia a ponto de ser negligenciável. Isto demonstra claramente como a transmissividade pode variar ao longo do tempo.
Além disso, também se identificou uma forte variação espacial em relação a transmissividade do LNAPL em função das heterogeneidade de subsuperfície. Poços com os maiores valores de transmissividade estavam a poucos metros de poços onde o LNAPL não foi observado. Não houve uma correlação clara entre os valores de transmissividade e a distância do ponto de origem do vazamento.
Curiosamente, as áreas com as maiores espessuras de LNAPL nos poços tipicamente exibiram valores menores de transmissividade, quando comparadas às áreas com espessuras menos expressivas. Isto demonstra: a) a importância de uma caracterização adequada da transmissividade do LNAPL; b) como a espessura do LNAPL no poço pode nos levar a conclusões equivocadas sobre a recuperação do produto.